Cannes: “La Gomera”, de Corneliu Porumboiu
Trama criminosa que mistura tons de comédia, suspense e romance acerta em duas destas opções.
atualizado
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Premiações de prestígio raramente consideram comédias bons candidatos a uma estatueta. O tragi-cômico, sim, em sua mistura da ironia com o drama, mas raramente uma comédia pura–algo que faça o espectador rir e que arrisca premissas verdadeiramente birutas. No Festival de Cannes, elas também são uma raridade. Por isso “La Gomera”, da Romênia, é uma bela surpresa, pelo menos em sua premissa.
Entre África e Europa, no oceano Atlântico em vez do Mediterrâneo, estão as Ilhas Canárias, território espanhol. E em uma destas ilhas existe uma língua secreta que, em vez de palavras, usa assobios como forma de comunicação. É lá que vai parar Cristi (Vlad Ivanov) um policial que se envolveu com uma gangue envolvida em lavagem de dinheiro. O fato é que ele estava investigando esta mesma gangue, só que, com a ajuda de um pouco de seu instinto por corrupção, Cristi espera ganhar um bom bocado jogando contra os criminosos e a polícia.
Esta é a Romênia, porém, uma ex-ditadura do leste europeu reprimida por um governo com métodos obscuros para manter seus cidadãos em linha. Absolutamente todos os personagens se comportam como se estivessem sempre expostos à câmeras escondidas (e de fato estão). Da mesma maneira, ninguém confia em ninguém, pois a cultura de ocultação é permanente.
É aí que entra a linguagem dos assobios. O líder da gangue foi preso, e os membros que restaram, incluindo sua linda namorada Gilda (Catrinel Marlon), precisam da ajuda de Cristi para resgatá-lo da prisão e para recuperarem seu dinheiro. Numa realidade aonde todos são sempre vigiados, a busca por um código secreto os levou até as Ilhas Canárias, aonde aprendem o dialeto e de onde partem para executar seu plano. O único imprevisto, além de ninguém saber o que o outro está pensando, é que Cristi se apaixonou por Gilda (ou não?).
É uma trama cheia de curvas e confusões, contada por meio de um excelente esquema de edição e fotografia. Cada timeline tem seu próprio look, e as imagens remontam ao cinema dos anos 60, quando uma estética pop foi apropriada para filmes “cool” sobre a criminalidade. Só que nada é tão sério assim em “La Gomera”, pelo menos na visão do diretor. Os atores, claro, interpretam a premissa absurda como uma trama de vida e morte. O diretor, por sua vez, quer fazer o público rir.
Existe aqui uma boa dose de suspense também, e nessa mistura Porumboiu acerta sempre. Cristi é um homem só tentando se virar no meio de muitos obstáculos, incluindo uma gangue inteira e um departamento de polícia muito bem armado. O saldo de corpos e alto, e de risadas também. É só no final que o filme vacila, e não necessariamente na trama, mas sim em seu tom. Para deixar de ser uma comédia, ele investe em sentimento, e o gosto da mistura não fica bom.
O final desta crítica é inconstante com a animação inicial de uma premissa tão biruta quanto a deste filme. Assim como no filme, a mudança de tom trai a originalidade do que poderia ser algo realmente inovador.
Avaliação: Regular (2 estrelas)