Derrite absolve delegados acusados de torturar 30 detentos
Decisão do secretário de Segurança Pública de São Paulo, Guilherme Derrite, ocorre após apuração de suposta tortura com barras de ferro
atualizado
Compartilhar notícia

O secretário de Segurança Pública de São Paulo, Guilherme Derrite, absolveu os delegados da Polícia Civil Enilda Soares Xavier, José Manoel Lopes e Beneal Fermino de Brito da acusação de tortura supostamente cometida contra 30 detentos dentro da delegacia do 50º Distrito Policial, no bairro de Itaim Paulista.
A medida atende à decisão proferida no Processo istrativo Disciplinar (PAD) que apurou o caso na esfera istrativa. A investigação concluiu não haver provas suficientes para condenar os delegados e outros 15 investigadores, agentes e escrivães de polícia acusados de prática de tortura.
O caso foi registrado em 9 de junho de 2000, depois que os policiais foram informados de que uma arma de fogo havia sido infiltrada na carceragem do 50º DP. Um carcereiro que atuava na unidade foi apontado como responsável pela entrada da arma, mediante pagamento realizado por um dos presos.
O detento foi identificado, e, de acordo com a denúncia do Ministério Público de São Paulo (MPSP), as buscas pela arma tiveram início. “A delegada de polícia titular daquela repartição policial, Enilda Soares Xavier, determinou que o então chefe dos investigadores, José Coelho Gonçalves Filho, tomasse as providências necessárias, com o escopo de realizar uma revista nas dependências carcerárias. Para tal, tornava-se necessário o concurso de um reforço policial, neste caso fornecido pela 7ª Delegacia Seccional e pelo Grupo de Operações Especiais”, diz a denúncia.
Revistas e briga
Na primeira revista nas celas, a arma não foi localizada. Teve início, então, uma segunda revista, na qual, segundo o MPSP, os presos foram obrigados a correr nus por um “corredor polonês”, onde teriam sido agredidos com barras de ferro — as chamadas “bate-grades” —, além de socos e pontapés, até se jogarem contra a parede, caindo uns sobre os outros.
A situação teria se agravado após uma discussão entre o carcereiro Everaldo Aparecido dos Anjos Camargo e o preso Edmilson José do Nascimento. Os dois começaram a trocar socos quando o detento se negou a rasgar um lençol usado como cortina na cela 1.
“Nesse momento, os policiais Eduardo Bonifácio Bueno, Eliseu Lima da Silva, Carlos Tadeu Almeida Silva e Rogério Alves, do Grupo de Operações Especiais, que se encontravam na ‘viúva’, temendo um descontrole total da situação, invadiram o pátio, disparando a espingarda calibre 12, com munição antimotim; encontravam-se na ‘viúva’ também os delegados Enilda Soares Xavier e Beneal Fermino de Brito, assistindo, aquiescendo e apoiando a conduta dos demais e dando autorização para que procedessem daquela maneira”, diz a denúncia do MP.
Choques
“A intensidade das agressões então redobrou, ando também os policiais, liderados pelo chefe dos investigadores José Coelho Gonçalves Filho e pelos policiais José Arruda Egídio e Fábio Augusto Lima Campioni, a utilizarem uma nova estratégia: cientes de que existia uma fiação elétrica em cada cela, utilizada para o aquecimento de comida dos presos, puxaram os fios de um dos xadrezes e, ato contínuo, molharam o assoalho da cela 3, pondo também panos ou trapos encharcados no chão”, relata o documento.
Os detentos teriam sido obrigados a sentar nus no chão molhado e submetidos a eletrochoques. A arma, um revólver calibre 38 com a numeração raspada, acabou sendo localizada em um esconderijo na parede da cela 3. O fato, porém, teria aumentado a ira dos policiais.
“Os presos eram escolhidos aleatoriamente e forçados a correr sob pancadas e golpes com barras de ferro, desferidas pelos policiais do próprio distrito, Seccional e GOE. Até a cela 3, deparavam-se com o chefe dos investigadores José Coelho Gonçalves Filho, com o investigador José Arruda Egídio e com o carcereiro Everaldo Aparecido dos Anjos Camargo, os quais forçavam o preso a sentar-se no local já previamente encharcado; ato contínuo, encostavam os fios elétricos na cabeça e no corpo do detento, causando-lhe violentos choques”, afirma o MPSP.
Tortura e morte
Dois presos que exerciam liderança sobre os demais teriao sido escolhidos para tortura até que entregassem o detento responsável pela entrada da arma na carceragem. Enquanto os demais eram agredidos nas celas, Nílson Saldanha e Cleone Valentim Arcanjo sofriam golpes de barra de ferro e choques elétricos dentro da delegacia. Após horas de espancamento, um preso, Jailton Bezerra Soares, assumiu estar em posse da arma.
Nílson Saldanha morreu dias depois. O laudo necroscópico apontou “lesões, contusões e hematomas no gradil costal, hemotórax à esquerda com fraturas nos arcos costais, hematomas pulmonares bilaterais, lesão hepática com hemorragia abdominal, hematoma retroperitoneal, hematoma subcapsular do rim esquerdo e contusão direita”.