O Minas Gerais e o USS Nimitz (por Roberto Caminha)
Foi aí que nosso frango exportação — orgulho nacional ao lado da coxinha e da galinhada — pegou um “resfriado comercial”
atualizado
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Olhem e prefiram o USS Nimitz, deslizando sobre os oceanos como se fosse o juiz mais imparcial do planeta. Ele nada pelo mundo procurando o que fazer. O bichão tem mais de 330 metros de comprimento, quase do tamanho do posto 6 de Copacabana, 100 mil toneladas de pura imponência, centenas de aviões e helicópteros, um reator nuclear e um comandante que não precisa buzinar. Para onde ele apontar a proa, o mundo vê pela TV. O Brasil está convidando o Nimitz para desfilar pelas nossas praias e empolgar o turismo de guerra.
Enquanto isso, o Brasil, que já teve dois porta-aviões (os gloriosos Minas Gerais e São Paulo), hoje pode se orgulhar de ter contribuído pela paz mundial… com um recife artificial. Um verdadeiro berçário de peixes. A frota naval, antes sonho de potência regional, virou ponto turístico para baiacus e moreias. O Minas Gerais, adquirido lá atrás, do Reino Unido, ainda serviu por décadas, mas o São Paulo virou uma novela de manutenção e acabou afundado com toda a pompa ambiental possível — depois de virar manchete, I e festa dos ativistas ambientais. Dizia-se, à época, que se o Minas Gerais funcionasse, por uma hora, com todo o seu poderio, a Casa da Moeda teria que trabalhar dobrado e a inflação nos comeria. Ele era um perigo para nós.
Não temos frota de guerra, mas sobra coragem. E essa coragem resolveu se manifestar nos últimos tempos, com discursos mais firmes (ou atravessados, dependendo do ponto de vista) contra os Estados Unidos. A “diplomacia brasileira” deu uma flechada na direção de Washington. E, como resposta, não veio um míssil — mas algo muito mais eficaz: sanções disfarçadas de “preocupações sanitárias”. Os nossos melhores almirantes para recebermos o Nimitz são os nossos espetaculares surfista: Gabriel Medina, Ítalo Ferreira, João Chianca, Yago Dora e Filipe Toledo. São esses os únicos almirantes brasileiros que o Nimitz respeita e ira. Eles conhecem as ondas.
Foi aí que nosso frango exportação — orgulho nacional ao lado da coxinha e da galinhada — pegou um “resfriado comercial”. De uma hora pra outra, começou a tossir nas alfândegas do mundo. Apareceram dúvidas técnicas, protocolos reavaliados, formulários novos, e os carregamentos começaram a atrasar. A ave brasileira, antes querida nas gôndolas do Texas até Istambul, agora anda fora do prato.
E ele não está sozinho: a soja também anda espirrando, a carne bovina tomou antialérgico, e até a pipoca perdeu-se do milho que já recebeu olhares tortos. O faroeste americano, que parecia tão amigável quando assinava contratos com o nosso agro, agora mostra que sabe atirar — e acerta direto no nosso bolso.
Enquanto isso, por aqui, a turma do Itamaraty tenta colocar panos quentes. “Foi só uma divergência técnica”, dizem. “Nada pessoal.” Mas quem depende de exportação está vendo que a nossa conversinha de botequim pode sair cara. O agronegócio, que só queria saber do tempo e do preço do dólar, agora precisa estudar diplomacia, geopolítica e etiqueta internacional.
É curioso: com o Nimitz, os EUA projetam força. Com a queda do frango, demonstram poder. Porque, convenhamos, você não precisa de um porta-aviões se consegue paralisar o concorrente com uma planilha da vigilância sanitária. E é assim que se faz guerra no século XXI: não se invade, se inspeciona. Não se dispara míssil, se bloqueia contêiner e manda a conta para os aliados.
Aqui, do nosso lado, seguimos tentando entender o que deu errado. Será que exageramos na ousadia diplomática? Será que o Brasil confundiu “autonomia” com “autossabotagem”? Ou será que estamos mesmo certos e o mundo precisa ouvir o que temos a dizer — ainda que nos custe a galinhada?
O fato é que, neste momento, o buraco nas relações Brasil-EUA já começa a vazar dólar. A retaliação informal começou, e o cenário é de alerta no campo. O produtor rural, que achava que guerra era coisa de general, agora vê que basta uma palavra atravessada para o galinheiro virar trincheira. Galinheiro pegando fogo não presta pra nada.
No fim das contas, não estamos numa guerra declarada, mas numa espécie de guerra fria de abatedouro. Ninguém se ameaça, mas o prejuízo já chegou. O frango sumiu das prateleiras, o agro coça a cabeça, e os diplomatas fazem cara de paisagem. Tudo isso enquanto o Nimitz segue seu cruzeiro — sem saber se o que o Brasil lançou foi uma crítica… ou uma isca. Se o Nimitz desfilar por 24 horas pelas praias do Brasil, a população e os turistas, ao ouvirem o barulhinho dos caças, saberão quanto custam os remédios para cardíacos. Os americanos começaram uma guerra de cachorro grande com os chineses, onde poderíamos encher os bolsos e melhorar a picanha e vamos brigar com o lado mais forte. Deixem o nosso Itamaraty entrar nessa guerra e que saiam os briguentos, por favor!
Se não acertarmos o tom, o que começou com um frango gripado pode acabar com boiadeiro deprimido, soja encalhada e mais um buraco — dessa vez, no mais profundo lugar do nosso bolso e da nossa barriga.
Roberto Caminha Filho, economista, quer estar longe do eio do USS NIMITZ e perto dos nossos almirantes e berçários de peixes.